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Fazer Checape Vale A Pena?

Dr. Charles Genehr

Antes que você siga com a leitura do texto, gostaria de te fazer um humilde pedido. Sugiro que leias o texto com a máxima atenção e, na medida do possível, com a mente o mais aberta possível, evitando que os preconceitos e os prejulgamentos prejudiquem a sua apreciação daquilo que vai ser dito aqui. Nem sempre uma crença arraigada que nós temos é compartilhada por todas as pessoas, principalmente por aquelas que examinaram o assunto com mais profundidade.

Vamos falar aqui sobre os exames de rastreamento ou exames de checape, que são aqueles exames que são feitos em pessoas que não estão com sintomas ou alterações nos órgãos ou locais que vão ser examinados. Por exemplo, fazer mamografia em uma mulher que não sente nada na mama e não tem tem nenhum nódulo ou caroço no local, fazer um PSA em um homem que não sente nada no local nem possui nenhuma alteração na próstata e fazer um exame de colesterol em uma pessoa que não sente nada e não notou nenhuma diferença no seu corpo. Tais exames de checape são diferentes dos exames que são solicitados para as pessoas que já sentem alguma coisa ou que já tem alguma alteração no seu corpo. Esses sim são importantes.

Para falar sobre o assunto, gostaria de te apresentar um colega: o Dr. John Ioannidis. Ele é médico, cientista e professor de medicina da Universidade de Stanford nos Estados Unidos, considerada uma das melhores universidades daquele país. Ele fez a sua residência médica em Harvard, que também é uma das melhores universidades dos Estados Unidos. Ele é um dos cientistas mais citados na literatura científica mundial e é autor de quase 1.000 artigos científicos. Seu artigo de 2005 “Por que a maioria dos resultados de pesquisas publicadas são falsos?” é o artigo mais baixado da Biblioteca Pública de Ciências. Ele já recebeu diversos prêmios e títulos ao longo da sua brilhante carreira acadêmica e profissional. Ou seja, o cara não é pouca coisa.

O Dr. John Ioannidis é autor de diversos artigos científicos que são pérolas para a reflexão e excelentes pontos de partida para mudanças de paradigma e para sair do lugar comum da literatura científica. Além do artigo já citado acima, outra pérola escrita pelo Dr. John foi “Hora de abandonar a detecção precoce do câncer”, um estudo que saiu esse ano. No artigo ele diz que “mudanças radicais são urgentemente necessárias após mais de quatro décadas de enormes investimentos e expectativas fracassadas”. Na sua opinião, os exames de rastreamento do câncer, que as pessoas comumente chamam de checapes, são desnecessários e muitas vezes causam até prejuízos. Os exames de checape mais comuns nessa área são a mamografia e o exame de PSA. São três os principais problemas causados por esses exames. Em primeiro lugar, eles podem encontrar cânceres pequenos que não cresceriam e nem seriam descobertos sem fazer o exame. Tais cânceres não necessariamente serão os responsáveis pela morte das pessoas. É possível que a pessoa acabe morrendo por outro motivo, já que morrer de um ataque do coração ou como consequência de um derrame, por exemplo, é bastante comum. Além disso, esses exames prejudicam as pessoas de diversas maneiras. As pessoas ficam nervosas e ansiosas quando descobrem que têm um câncer ou que o seu exame está alterado. Se o exame estiver alterado, elas precisam fazer outros exames e isso pode causar ansiedade, nervosismo, infecções, dores, alergias, sangramento, febre e sepse. Por fim, esses exames de checape não reduzem o número de mortes por todas as causas, ou seja, mesmo que ela não morra do câncer da mama ou da próstata, ela pode acabar morrendo do coração, por exemplo. Isso quer dizer que tais exames não prolongam a vida das pessoas. Por que isso acontece? Porque as pessoas não morrem só de câncer e fazer esses exames não impede que elas morram devido a outras causas. Assim, elas acabam morrendo no mesmo tempo que as pessoas que não fazem esses tipos de exames. Os estudos científicos mostram isso, diz o Dr. John Ioannidis. Por algum motivo, evitar a morte por câncer de mama ou por câncer de próstata não faz com que você viva mais do que a expectativa média de vida da sua região e as pessoas que não fazem esses exames costumam viver, em média, tanto quanto você.

Mais uma consideração. Mesmo que o exame descubra o câncer em uma pessoa e o câncer seja retirado com uma cirurgia ou outro método, não há como saber se aquele câncer iria causar a morte da pessoa se ele fosse descoberto depois. Afinal, você nunca ouviu falar de casos de pessoas que foram condenadas à morte por terem alguma doença e depois viveram muitos anos após receberem essa sentença?

Não são apenas os exames de rastreamento do câncer que são questionáveis. Os demais exames de checape também são desnecessários, de acordo com a opinião do Dr. John Ioannidis e também do médico dinamarquês Dr. Peter Gøtzsche, outro cientista muito respeitado e autor de diversos artigos científicos que fogem do pensamento científico convencional.

Sei que muitas pessoas não vão concordar com o ponto de vista desses importantes cientistas que foram aqui mencionados. Antes que uma nova ideia seja aceita, é comum que ela seja ridicularizada e tida como absurda. Isso é normal. Convido ao leitor que antes de descartar completamente essa ideia, que ele pese os prós e os contras dessa situação. Pense no custo desnecessário envolvido com a realização de todos esses exames e também no sofrimento das milhões de pessoas que passam pela situação de descobrirem que possuem um câncer, uma doença que nem sempre seria a responsável por causar a morte delas. Todo esse dinheiro empregado em exames poderia ser utilizado para financiar campanhas de alimentação saudável, atividade física e interrupção do tabagismo. A modificação desses hábitos seria mais proveitosa para prevenir doenças e para evitar o sofrimento dos seres humanos, principalmente na área de saúde pública. Como você já sabe, o dinheiro público que está disponível para ser aplicado na área da saúde é limitado e se ele for utilizado para exames supérfluos, pode acabar faltando dinheiro para outras necessidades. Se hoje você faz um exame desnecessário, amanhã você mesmo ou algum familiar seu podem ser prejudicados pela falta de recursos públicos para custear os seus exames e os seus tratamentos.

Concluindo, os exames de checape ou de rastreamento não devem ser solicitados ou oferecidos para as pessoas sem que elas sejam muito bem informadas a respeito dos prós e dos contras desses exames. Somente depois que elas estiverem mais bem informadas, é que elas serão capazes de tomar uma melhor decisão a respeito do assunto. Informações importantes jamais deveriam ser ocultadas dos pacientes, principalmente aquelas que estão relacionadas com o seu bem-estar e com a sua vida.

Referências:

Adami HO, Kalager M, Valdimar Dottir U, Bretthauer
M, Ioannidis JPA. Time to abandon
early detection cancer screening.Eur J Clin Invest. 2019
Mar;49(3):e13062. 

Disponível em:

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/eci.13062
Saquib N, Saquib J, Ioannidis JP. Does screening
for disease save lives in asymptomatic adults? Systematic review of
meta-analyses and randomized trials. Int J Epidemiol. 2015
Feb;44(1):264-77.
Krogsbøll LT, Jørgensen KJ, Gøtzsche PC. General health
checks in adults for reducing morbidity and mortality from disease. Cochrane
Database Syst Rev. 2019 Jan 31;1:CD 009009.
Prado, Fabrizio. Exames complementares desnecessários: custos, riscos e
oportunidades.
Disponível em:

Grande Abraço e uma Excelente Saúde a Todos,

Dr. Charles Genehr – CREMERS 26.509 – CREMESP 185.764

Nota: Esses artigos são apenas para sua informação. Nenhum conselho é dado ou pretendido por esses artigos. Você deve consultar seu médico antes de fazer qualquer alteração em sua vida que possa afetar sua saúde.

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